Como descobri a
doutrina reformada há pouco tempo, não posso deixar de dizer que entender
algumas coisas é um pouco chocante. Quando estamos falando de ser reformado, quase sempre, estamos
falando em ser calvinista. Entendo
que as pessoas não gostem de se rotular, ou de receber rótulos, porque os
rótulos ideológicos são, normalmente, usados para disseminar algum tipo de
preconceito ou prerrogativa pejorativa, mas entendendo que isso tem uma serventia real - encurtar caminhos linguísticos para explicar no que se
acredita - fica tudo mais fácil. Por exemplo, uma pessoa pode dizer que não
ingere alimentos de origem animal porque ela é ativista a favor do direito dos
animais não serem mortos ou sentirem dor durante a extração de seus produtos
alimentícios para suprir as necessidades de consumo humano, ou simplesmente
dizer que ela é vegan. Quem estiver
familiarizado com o termo vai entender, e se não estiver, pode ouvir a
explicação do termo uma vez, e, então, não precisar do caminho longo novamente
para compreender os hábitos alimentares de determinada pessoa.
Pois bem, aplicamos
esses rótulos ideológicos para várias outras implicações de nossa vida
acadêmica, política, social e, como não poderia deixar de ser diferente,
teológica.
Então, uma vez que uma
pessoa diz ser um cristão reformado ou calvinista, significa que ele concorda,
ao menos em parte, com um acróstico, usado pela escola calvinista, a TULIP.
Todos
os pontos da TULIP (depravação total (do ser humano), eleição incondicional
(para a salvação), expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos
santos) apontam para uma outra máxima da reforma protestante (esquecida em boa
parte das igrejas que se dizem protestantes), o Soli Deo Gloria (latim para somente
a Deus a glória). Um dos grandes pontos da reforma protestante sempre foi
pregar a soberania de Deus sobre todas as coisas. Todas, sem exceção. Isso
implica em mais três conceitos muito bem difundidos e, burra e ironicamente, ignorados
sobre Deus: Ele é um ser onisciente
(sabe de todas as coisas), onipotente
(pode fazer todas as coisas) e onipresente
(está em todos os lugares). Para este texto, focaremos na onisciência e
onipotência de Deus. Se sabe de todas as coisas e pode fazer todas as coisas
(isso inclui deixar de fazer algo), Deus, sabiamente, predestinou todas as
coisas segundo a sua vontade, não havendo poder humano que possa mudar seus
desígnios. Essa é a base lógica.
Base
Bíblica:
Que anuncio o fim desde o
princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; que digo: O
meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade.
A
refutação mais comum desse verso é a afirmação de que ele pertence ao Antigo Testamento
e não se aplica ao novo. Mas isso não é verdade. Pois ao lermos o texto na
íntegra, sabemos que o escritor do livro de Isaías, nessa parte, estava
escrevendo as palavras que o próprio Deus disse. E, se a própria Bíblia estiver
certa, em Tiago, Deus não muda.
Toda boa dádiva e todo dom perfeito
vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de
variação.
É
importante entender que, quando Cristo veio, a forma de Deus se comunicar com
os homens mudou, o evangelho foi pregado ao povo que não era israelita (coisa
que não aconteceu até a ressurreição), as leis da sociedade mudaram, as formas
de adoração mudaram (ou você já viu alguém matar um cabrito pra adorar a Deus
hoje?), mas Deus não mudou, nele não se encontra nem sobra de variação. Ou seja, pela lógica da própria Bíblia, o
Deus de Isaías, que anuncia o fim desde o princípio e as coisas que ainda não
sucederam, o Deus que fará toda a sua vontade, é o mesmo Deus de Tiago, em quem
não há mudança nem sombra de variação.
Com
esses dois versículos já é possível provar a predestinação das coisas por Deus,
mas ainda há aqueles que digam que a onisciência não necessariamente pressupõe
a predestinação. Por exemplo, um homem que anda de bicicleta pode cair ou não.
Caso caia, Deus sabia, mas deixou que ele caísse. O argumento por si só não se
sustenta, pois se Deus sabia, e o deixou cair, aquilo estava decretado para
Deus na vida do pobre ciclista. Este é que não sabia e não podia ter
previsto. Deus não só o podia, como o fez. A única forma de manter algum
argumento que suporte a “não-predestinação” de tudo é excluindo a onisciência
de Deus, supondo que nós, humanos, podemos surpreendê-lo. O que não faz sentido
algum.
Partindo
disso, é importante entender que Deus nos predestina, e nós somos predestinados
por Deus. Isso implica dizer que, quem predestina sabe o que vai acontecer,
quem é predestinado não. Deus tem uma mente ilimitada e enxerga o tempo como um
todo (“o que era”, “o que é” e “o que será”), nós, humanos, temos uma mente
limitada, lembramos com dificuldade do passado, vivemos no presente e cogitamos possibilidades incertas para o futuro.
Diante
de toda essa argumentação, muita gente (principalmente quem jogou um famoso
simulador de realidade) pensa: “quer
dizer que minha vida é igual ao The Sims?”
A
resposta é sim e não. Para Deus, sim. Ele é soberano e sabe tudo da nossa vida.
Para nós, não. É claro, que em determinados momentos, podemos ver fatos que nos
mostram claramente a mão de Deus movendo as peças. Mas sempre teremos decisões
a fazer. As decisões são reais. E quando falo de decisões aqui, falo daquilo
que decidimos em vida sobre a nossa vida. Que igreja congregar, onde morar, tomar
atitude “x” ou “y”. Deus sempre saberá exatamente o que faremos e o que vai
acontecer, mas nós não.
Num
primeiro momento isso pode parecer assustador. Nos lembra do filme, genial,
estrelado por Jim Carrey: The Truman Show.
Nesse
filme, Jim Carrey faz o que ele sempre faz de melhor. Com um humor que beira o
pastelão, ironiza a hipocrisia e o cinismo dos seres humanos. Seu personagem,
Truman, descobre que nasceu num reality show maluco, e teve toda a sua vida transmitida para o mundo todo, além de seu mundo ser controlado por um excêntrico diretor de TV. É claro que
Truman foge dessa realidade criada para ele, e vai viver uma vida "livre".
Qual é a diferença entre O Show de Truman e
nossas vidas?
A diferença é que o mundo de Truman foi criado e manipulado
por um homem, e isso faz com que tudo soe mecânico e anormal. Além disso, esse
homem comandava segundo os próprios interesses. Deus tem uma vontade santa,
perfeita e agradável, e faz com que todas as coisas cooperem para o bem de quem o ama.
Pare de usar a frase Deus está no
controle como jargão gospel para acalmar pessoas ansiosas, e entenda o que isso realmente significa.
Deus
sabia que você leria esse texto até o fim, questione-se: por quê?
Paz seja convosco
Verdade tenho enfrentado problemas, com esses que dis q Deus está no controle de Tudo! Se Deus está no controle de Tudo praque pregar o Evangelho..
ResponderExcluirPregamos o evangelho porque cremos no evangelho. Pregamos o evangelho porque é propósito de Deus que através da pregação do evangelho, seus escolhidos se aproximem dele.
ExcluirPregamos o evangelho, porque somos predestinados a fazê-lo.
Uma coisa não exclui a outra irmão. Basta entender que nós não pregaremos porque somos salvos, mas porque amamos a Deus. Evangelizar é parte do propósito de Deus.
ResponderExcluirA pergunta que eu sempre faço a alguém que crê no livre-arbítrio e rejeita a predestinação é a seguinte: " - É possível que o homem tenha a liberdade de criar uma bomba capaz de destruir o mundo antes da volta de Cristo?" Se ele responder que sim faz a Bíblia de mentirosa negando a segunda vinda de Cristo, simples assim!
ResponderExcluirSimples. Mas uma excelente lógica. ahha rs
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