Imaginem, num mundo
paralelo, que uma pessoa nasça com as pálpebras coladas ao rosto. Imaginem que
lhe fosse impossível abrir os olhos completamente, e que ela estivesse fadada a
ver apenas parte do mundo de verdade. Por muitos anos, ela andou e andou por aí,
tropeçando, caindo, esbarrando em coisas, se machucando e machucando as
pessoas. Com o passar do tempo, essa pessoa começou a achar tudo isso normal,
pois, afinal de contas, sua incapacidade a fazia cometer todas essas ações
prejudiciais às pessoas e a ela mesma. Além disso, já havia pedido, por várias
vezes, que os médicos lhe fizessem enxergar, mas eles tinham sempre a mesma resposta:
poderiam tentar, mas havia um grande risco de se cortar, junto com a pele da pálpebra
que a cobria a visão, os seus olhos. Este mal, além de doloroso seria
eterno. Por fim, os médicos passavam a decisão para ela e, com medo, ela sempre
preferiu ver as cosias pela metade. Com pedaços de pálpebras a tapar-lhe a
visão. Tomava essa decisão, sempre, como já dito, pelo medo da dor. E de essa
dor eventualmente se torna algo que ela carregasse pelo resto de sua vida.
Um dia, um médico a viu
na rua. E interessado, foi até ela. Checou um histórico rapidamente, e disse a
ela que poderia ajudá-la a enxergar melhor, entretanto isso doeria muito, mas
assim ela conseguiria ver. Foi a primeira vez que alguém disse que ela não
correria risco de ficar cega, e justamente por isso, porque o médico passou
para ela toda fé que ela precisava ter nos métodos dele, ela aceitou. No dia em
que o médico determinou, ela veio a ele, e ele, com um estilete cirúrgico,
cortou as partes que faziam com que os olhos dela ficassem presos. A moça
gritou e chorou muito durante algum tempo, mas após alguns dias que a dor pior
havia passado, ela enxergava e justamente por isso estava eternamente grata ao
médico, e passou a se comunicar com ele frequentemente (jamais deixando de
agradecê-lo). Ela insistiu em lhe dar uma quantia, mas o médico disse que não
queria porque além de não precisar, não via sentido em ser pago por fazer o
bem.